Intencionalidade e não intencionalidade presentes nas mortes por causas externas em crianças de zero a cinco anos de idade em Porto Alegre, RS, Brasil

Abstract

Introdução: Em relação a mortes infantis inesperadas, sem doença pregressa, sem ferimentos indicativos de agressão, contexto familiar e situação social desconhecidos, dever-se-ia considerar a possibilidade que não tenham ocorrido de forma não intencional. Mortes por atos de comissão ou omissão - neonaticídio, infanticídio e filicídio - foram investigados através da perspectiva das mães que vivenciaram estes óbitos. Objetivos: Analisar óbitos de crianças menores de cinco anos de idade no município de Porto Alegre, decorrentes de Causas Externas de Morbidade e Mortalidade, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID 10) e relacioná-los com violência contra a criança. Identificar, nas histórias familiares e vivências maternas, situações que contribuíram para as mortes como injúrias intencionais e não intencionais. Métodos: A pesquisa baseou-se em relatórios do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), dados estatísticos da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMSPA). Através deles, foram recuperados dados de crianças de zero a cinco anos de idade falecidas no município de Porto Alegre, entre 2014 e 2016, registradas como “Causas Externas de Morbidade e Mortalidade e Lesões, Envenenamentos e Algumas Outras Consequências de Causas Externas – CID10”. O estudo foi realizado através de abordagem metodológica mista: quantitativa para caracterização da população estudada e qualitativa pela História Oral Temática e análise de corpus textual, através do cálculo de frequência de palavras (Nuvem de Palavras) e do nível de complexidade maior pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Pelo componente quantitativo identifiquei 42 famílias com óbitos de filhos no período em estudo e localizei 13 mães que concordaram em participar da pesquisa. A coleta de dados, por entrevistas, foi realizada nas UBSs mediante roteiro semiestruturado aliada à observação das pessoas entrevistadas. O roteiro da entrevista incluiu 34 perguntas sobre antecedentes gestacionais maternos, pré-natais da criança, ambientais e familiares. Através da recuperação das histórias maternas, familiares e contextuais do ocorrido, buscou-se elucidar a respeito de filicídio, visando respostas acerca da motivação dos óbitos ocorridos por injúrias intencionais e não intencionais. Resultados: O estudo destacou a necessidade de reconhecer o impacto das experiências adversas, vivências traumáticas e transgeracionais nas histórias de mães de crianças mortas por injúrias intencionais expressas no filicídio e não expressas, mas presentes nas mortes por injúrias não intencionais. Realizei entrevista semiestruturada e observação das mães, explorando contextos de vida, relações parentais e íntimas. Os encontros foram benéficos para mães ainda enlutadas, apesar do tempo decorrido, proporcionando efeito terapêutico. Conclusões: Os efeitos adversos sofridos podem se exteriorizar pelo ato intencional concreto e confesso do filicídio ou pela intencionalidade, revestida de não intencionalidade, como forma de resolver vivências traumáticas. É essencial que os profissionais de saúde reconheçam os efeitos deletérios que decorrem destas vivências, proporcionem escuta atenta, sem julgamento, auxiliem estas mães a amenizar seus sofrimentos e a estabelecer laços saudáveis de relacionamento com seus filhos, visando proteção das crianças e prevenção de novos óbitos.

Introduction: Unexpected infant deaths, devoid of pre-existing illnesses and indicative signs of aggression-related injuries, occurring within an unknown familial and social context, warrant consideration regarding the possibility that they may not have occurred unintentionally. Deaths resulting from acts of commission or omission - neonaticide, infanticide, and filicide - were investigated from the perspective of mothers who experienced these fatalities. Objectives: To analyze the deaths of children under the age of five in the city of Porto Alegre, stemming from External Causes of Morbidity and Mortality (ICD-10) and correlate them with child violence. To identify, within family histories and maternal experiences, situations that contributed to these deaths as intentional and unintentional injuries. Methods: This research relied on reports from the Mortality Information System (SIM) and statistical data from the Municipal Health Department of Porto Alegre (SMSPA). Through these sources, data were retrieved concerning children aged zero to five who had deceased in the city of Porto Alegre between 2014 and 2016, recorded under "External Causes of Morbidity and Mortality” and “Injuries, Poisoning, and Certain Other Consequences of External Causes - ICD-10." The study employed a mixed-methodological approach: quantitative for population characterization and qualitative through Thematic Oral History and textual corpus analysis: word frequency calculation (Word Cloud) and, at a higher level of complexity, Hierarchical Descending Classification (HDC). Through the quantitative component, 42 families with child deaths during the study period were identified, and 13 mothers who agreed to participate in the research were located. Data collection through interviews was conducted at the UBS using a semi-structured script, complemented by observations of the interviewees. The interview script consisted of 34 questions regarding maternal gestational backgrounds, child prenatal care, environmental and familial factors. By recovering maternal, familial, and contextual narratives, this study aimed to shed light on filicide, seeking answers regarding the motivation behind deaths resulting from intentional and unintentional injuries. Results and Discussion: The study underscored the necessity of recognizing the impact of adverse experiences, traumatic events, and transgenerational influences in the narratives of mothers whose children died from expressed intentional filicide as well as unexpressed but present intentions in deaths due to unintentional injuries. Semistructured interviews and observations of mothers were conducted, exploring life contexts, parental and intimate relationships. These encounters proved beneficial for mothers who were still grieving, despite the passage of time, providing therapeutic effects. Conclusions: Adverse effects experienced can manifest through concrete and confessed intentional filicide or through intentionality cloaked in non-intentionality as a means of addressing traumatic experiences. It is essential for healthcare professionals to acknowledge the deleterious effects arising from these experiences, offer attentive listening without judgment, assist these mothers in alleviating their suffering, and establish healthy bonds with their children, with the aim of safeguarding children and preventing further fatalities.