As mãos que operam a máquina de morar : o quarto de empregada em edifícios residenciais da arquitetura moderna paulistana

Abstract

Esta tese se propõe a analisar as configurações historicamente assumidas para os ambientes destinados às trabalhadoras domésticas em habitações multifamiliares na cidade de São Paulo, a partir de uma análise iconográfica de projetos divulgados nos anos de 1938 a 1971 pela revista Acrópole, período que abrange o auge da produção arquitetônica modernista no Brasil. A pesquisa tem como objetivo elucidar de que maneira, em meio à transição de uma formação social agrária de base escravocrata, para uma urbana, os apartamentos de edifícios em altura (principal signo arquitetônico de modernidade) incorporam, ainda que com certas adaptações, elementos da sociedade tradicional em suas plantas. Para tanto, o trabalho: analisa a natureza do trabalho doméstico no Brasil, utilizando como chave o método da interseccionalidade; remonta às origens do quarto de empregadas em residências do período colonial; relata o processo de incorporação desse cômodo no programa multifamiliar dos edifícios paulistanos a partir de uma perspectiva histórica; e analisa setenta e sete exemplares de projetos de edifícios residenciais produzidos para implantação na cidade de São Paulo. Adicionalmente, esta pesquisa incluiu testemunhos de pessoas que exerceram ou exercem a função de trabalhadora doméstica, abordagem que pretende, por um lado, desenvolver a noção de dispositivos espaciais de segregação e dominação e, por outro, investigar as experiências e a percepção do espaço arquitetônico pela ótica das mulheres que vivenciaram esses recintos ao longo do tempo. Desta maneira, conjugar os aspectos objetivos, advindos da prévia análise iconográfica, com os subjetivos, baseados na experiência de vida das empregadas domésticas nesses recintos. Acredita-se que os resultados deste trabalho contribuam tanto com o debate sobre as formas de concepção e apropriação do espaço residencial da arquitetura modernista, quanto com a reflexão acerca de como o ambiente construído pode se configurar como um aparato normativo que visa à legitimação de condutas de caráter exploratório do trabalho, mediante a consagração de ritos oriundos do mundo colonial/escravista no seio de uma sociedade urbana/capitalista.

This thesis aims to analyze the historically assumed configurations for environments intended for domestic workers in multifamily dwellings in the city of São Paulo. This analysis is conducted through an iconographic study of projects published in the period between 1938 and 1971 in the magazine Acrópole. This time frame encompasses the peak of modern architectural production in Brazil. The research aims to elucidate how, amidst the transition from an agrarian society with a slave-based foundation to an urban one, high-rise apartment buildings (the main architectural symbol of modernity) incorporate, albeit with certain adaptations, elements of traditional society in their layouts. To achieve this, the study examines the nature of domestic work in Brazil, utilizing intersectionality as a key method; traces the origins of maids' quarters in colonial period residences; narrates the process of incorporating this space into the multifamily programs of São Paulo buildings from a historical perspective; and analyzes seventy seven examples of residential building projects designed for implementation in the city of São Paulo. Additionally, this research includes testimonies from individuals who have worked or currently work as domestic workers, an approach intended to develop the notion of spatial devices of segregation and domination, as well as to investigate the experiences and perception of architectural space from the perspective of women who have inhabited these spaces over time. In this way, it seeks to combine the objective aspects derived from the previous iconographic analysis with the subjective aspects based on the life experiences of domestic workers in these spaces. It is believed that the results of this work will contribute to the debate on the forms of conception and appropriation of residential space in modern architecture, as well as to reflection on how the built environment can function as a normative apparatus that aims to legitimize exploitative work practices through the consecration of rituals originating from the colonial/slave-holding world within an urban/capitalist society.