Análise das apreensões de aves silvestres com base nos autos de infração gerados por órgãos ambientais no sul do Brasil

Abstract

O tráfico da avifauna silvestre é considerado uma das atividades ilegais mais disseminadas e lucrativas do mundo, impactando cerca de 20% da riqueza de espécies de aves no Brasil. No entanto, no estado do Rio Grande do Sul (RS) pouco se conhece sobre a dinâmica atual do tráfico e seus efeitos sobre as espécies. Utilizando de dados de autos de infração (AIs) dos órgãos ambientais, procuramos analisar as apreensões de aves silvestres no período de 2017 a 2021 quanto à composição de espécies de aves apreendidas; quanto às características espaciais, temporais e administrativas das infrações; e quanto à caracterização do infrator ambiental em relação às qualificantes das infrações e à composição das espécies. Coletamos dados de 740 AIs e amostramos 8.134 indivíduos de aves silvestres, com a identificação taxonômica de 128 espécies, dentre as quais Sicalis flaveola, Saltator similis, Paroaria coronata, Cyanoloxia brissonii e Sporophila caerulescens foram as mais frequentes nas apreensões, perfil semelhante às demais regiões brasileiras. Adicionalmente, observamos mudanças temporais na proporção das espécies apreendidas entre 1998 e 2017 no RS, em que espécies como C. brissonii, S. similis e S. caerulescens apresentaram aumento na proporção de apreensões com a passagem do tempo, o inverso do observado em espécies como Myiopsitta monachus e P. coronata. Quanto aos AIs analisados, verificamos que as sub- regiões Metropolitana e Litorânea concentraram a maior parte das infrações e, quanto aos períodos, 2019 deteve o maior número de AIs e 2020 e 2021 os menores, sendo a pandemia da Covid-19 uma das possíveis causas na redução. Ainda, o Comando Ambiental da Brigada Militar foi o órgão fiscalizador que mais gerou ocorrências ambientais, somando mais de 70% dos AIs. Sobre a caracterização do infrator ambiental, 80% das infrações foram oriundas da posse de aves silvestres sem autorização e 17% se deram em criadores autorizados no SISPASS. Caça e empreendimentos somaram, respectivamente, 2% e 1,5% dos AIs. Ao analisarmos a riqueza e abundância de aves apreendidas, estas apresentaram diferenças entre as categorias de posse irregular e de criadores SISPASS. Quanto à composição de espécies, verificamos a prevalência de determinados grupos de espécies a dado tipo de infrator, como Tinamiformes, Rheiformes, Columbiformes e Anseriformes relacionados majoritariamente à categoria de caça. Passeriformes estiveram associados às categorias de posse irregular, de criador SISPASS e de empreendimento, no entanto, quando analisadas espécies de Passeriformes ameaçadas, estas foram relacionadas majoritariamente à categoria criador SISPASS. Em relação às qualificantes dos AIs, os de maior frequência nas infrações foram a presença de espécies ameaçadas ou protegidas; abuso ou maus-tratos; e utilização de petrechos para caça. Por fim, verificamos que aproximadamente 15% das aves foram apreendidas em decorrência de comércio ilegal. Com nosso trabalho, concluímos que o tráfico da avifauna no RS, além de frequentemente estar associado a outros crimes ambientais, percorre uma cadeia múltipla de atores e atividades, como a captura, a caça e a criação de aves silvestres com ou sem autorização.

Wild bird trafficking is one of the most widespread and profitable illegal activities in the world, that impacts around 20% of bird species richness in Brazil. However, in the state of Rio Grande do Sul (RS) little is known about the current dynamics of trafficking and its effects on species. Using data from infraction notices (AIs) from environmental agencies, we analyzed the seizures of wild birds in the period from 2017 to 2021 regarding the composition of bird species seized; regarding the spatial, temporal and administrative characteristics of the infractions; and the characterization of the environmental offender about the qualifications of the infractions and the species composition. We collected data from 740 AIs and sampled 8,134 individuals of wild birds, with the taxonomic identification of 128 species, among which Sicalis flaveola, Saltator similis, Paroaria coronata, Cyanoloxia brissonii and Sporophila caerulescens were the most frequent in seizures, a profile similar to other Brazilian regions. Additionally, we observed temporal changes in the proportion of species seized between 1998 and 2017 in RS, in which species such as C. brissonii, S. similis and S. caerulescens showed an increase in the proportion of seizures over time, the opposite observed in species such as Myiopsitta monachus and P. coronata. As for the AIs analyzed, we found that the Metropolitan and Coastal sub-regions concentrated most of the infractions and, regarding the periods, 2019 had the largest number of AIs and 2020 and 2021 the smallest, with the Covid-19 pandemic being one of the possible causes of the reduction. Furthermore, the Environmental Command of the Military Brigade was the supervisory body that generated the most environmental incidents, accounting for more than 70% of the AIs. Regarding the characterization of the environmental offender, 80% of the infractions came from the possession of wild birds without authorization and 17% occurred at breeders authorized in SISPASS. Hunting and fauna enterprises accounted for, respectively, 2% and 1.5% of AIs. When analyzing the richness and abundance of seized birds, they showed differences between the categories of irregular ownership and SISPASS breeders. Regarding species composition, we verified the prevalence of certain groups of species for a given type of offender, such as Tinamiformes, Rheiformes, Columbiformes and Anseriformes, mainly related to the hunting category. Passeriformes were associated with the categories of irregular possession, SISPASS breeder and fauna enterprise, however, when threatened species of Passeriformes were analyzed, these were mostly related to the SISPASS breeder category. In relation to the qualifiers of AIs, those with the highest frequency in infractions were the presence of threatened or protected species; animal abuse or mistreatment; and use of hunting equipment. Finally, we found that approximately 15% of the birds were seized as a result of illegal trade. With our work, we concluded that bird trafficking in RS, in addition to often being associated with other environmental crimes, runs through a multiple chain of actors and activities, such as the capture, hunting and breeding of wild birds with or without authorization.