“Anões crescidos” e seus “corações de papel reciclável” : tecendo a socioeducação com as linhas da psicanálise

Abstract

Esta pesquisa se desenvolve no âmbito de uma política pública de assistência social voltada ao acompanhamento de adolescentes egressos do sistema socioeducativo do Rio Grande do Sul, o Programa de Oportunidades e Direitos Socioeducativo. O caso emblemático de um adolescente que escolhera a rua como moradia, e fez da escrita em seu blog uma saída subjetiva, motivou esta pesquisa. Esse adolescente, que assina seus escritos como Vini, tem sua trajetória marcada por encontros e desencontros com o Outro. O desencontro entre as possibilidades dos sujeitos que acessam a política pública de socioeducação e as exigências e condicionamentos da mesma instigou-nos a escrever sobre os questionamentos emergentes da escuta dos sujeitos, encontrando, na psicanálise, uma direção a seguir. Ao longo do processo de escrita-pesquisa, fez-se necessário problematizar a expressão “adolescente em conflito com a lei”, o que conduziu à exploração do conceito de adolescência na história da socioeducação e nos textos da lei. Este estudo tem como método a construção de caso, e, como referencial teórico, a psicanálise. A escolha pelo referencial psicanalítico é uma aposta na potencialidade do sujeito. Portanto, é na via do reconhecimento e construção do desejo que se propõe este trabalho. Na perspectiva da psicanálise, a construção do caso implica o desejo daquele que escuta, buscando a elaboração de um saber não apenas na direção da historização do sujeito, mas também da interrogação da teoria. A construção do caso levou à problematização do conceito de adolescência na contemporaneidade. O conceito de classe da ralé, tomado da sociologia, foi relacionado a essa clínica que se dá em contextos sociais críticos, na qual o psicanalista é convocado a assumir uma postura ética e política. A partir daí, buscamos o que se tem produzido sobre o trabalho do psicanalista nas políticas públicas, em especial no âmbito da socioeducação. Ao final deste estudo, provocamos outros modos de fazer e avaliar políticas públicas de socioeducação, em que se escute mais o adolescente, dando lugar à transferência, e menos a Medida Socioeducativa. Pois é na transferência que se abre espaço para o sujeito advir, espaço para mudanças. Finalmente sustentamos a tese de que há encontros nos desencontros. Essa perspectiva possibilita a construção de ancoragens mais acolhedoras no Outro.

This research is developed in the context of a public policy for adolescents who have responded for infraction in a socio-educational institution, a program called “Programa de Oportunidades e Direitos Socioeducativo” (socio-educational program of opportunities and rights), in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The emblematic case of an adolescent, who had chosen to live on the streets and found a subjective exit by writing his own blog, has motivated this research. This teenager signs his writings on the blog as Vini, and his life is underlined by “comings and goings” with the Other. These “goings” between the subjective possibilities of the adolescents, who go through socio-educational programs, and the demands of those programs, inspired us to write about the questionings that emerge as we listen to these adolescents. We found in psychoanalysis a direction to follow. During the process of writing-researching, it became necessary to problematize the expression “adolescent in conflict with the law”, which guided to the study of the concept of adolescence in socio-education history and in specific laws. As a method, this research uses the case construction, and as theoretical reference, the psychoanalysis. We chose psychoanalysis since we believe in the potential of the subject. Therefore, this study aims at the recognition of desire and construction of the desiring subject. In psychoanalysis, the case construction implies the desire of the one who listens, seeking for a knowledge not only to historicize, but also to question the theory. The case construction in this research allowed us to contest the concept of adolescence in psychoanalysis itself. We also related the clinical activity in critical social contexts to the sociological concept of “ralé”. The psychoanalyst must assume an ethical and political position when working in these social contexts. This research also goes through what has been published about psychoanalysis in critical social contexts, especially in the socio-educational area. In the end, we suggest other ways to make and evaluate socio-educational programs, in order to offer adolescents more listening in transference and less prescription of the measure. We found that in transference the desiring subject can arise, thus real change becomes possible. Finally, we support the thesis that there are “comings” in the “goings”. This perspective enables the construction of more supportive means of anchoring in the Other.