Peixes onívoros em riachos neotropicais : relações entre morfologia, consumo e assimilação e suas implicações na coexistência de espécies ecomorfologicamente similares
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Data
2020Autor
Orientador
Nível acadêmico
Doutorado
Tipo
Resumo
A coexistência de espécies é o cerne da Ecologia, especialmente em ambientes neotropicais com elevada riqueza de espécies ecomorfologicamente similares. Nesse sentindo, o objetivo desse estudo foi verificar como espécies de lambaris - grupo mais diversificado da família Characidae - estão distribuídos em riachos subtropicais, utilizam recursos alimentares e coexistem localmente. Por serem classificadas como onívoras, buscou-se compreender o que elas consomem (análise de conteúdo estomacal) e as ...
A coexistência de espécies é o cerne da Ecologia, especialmente em ambientes neotropicais com elevada riqueza de espécies ecomorfologicamente similares. Nesse sentindo, o objetivo desse estudo foi verificar como espécies de lambaris - grupo mais diversificado da família Characidae - estão distribuídos em riachos subtropicais, utilizam recursos alimentares e coexistem localmente. Por serem classificadas como onívoras, buscou-se compreender o que elas consomem (análise de conteúdo estomacal) e assimilam (isótopos estáveis), bem como compreender como fatores extrínsecos (sazonalidade, uso e ocupação do solo da bacia hidrográfica) e intrínsecos (morfologia externa e interna) afetam o nicho trófico. As coletas foram realizadas por meio da técnica de pesca elétrica em dez riachos na região de cabeceira das bacias do Baixo Rio Iguaçu e Rio Piquiri, região oeste do Estado do Paraná. Foram coletadas seis espécies pertencentes aos gêneros Astyanax, Bryconamericus e Psalidodon, os quais ocorreram em alopatria ou em co-ocorrência (pares ou trio de espécies por riacho). Primariamente, Psalidodon bifasciatus, que era considerada endêmica da bacia do rio Iguaçu, teve sua distribuição geográfica ampliada por meio de evidências morfológicas e moleculares para a bacia do Rio Piquiri. Ademais, fatores extrínsecos, como sazonalidade e alterações do uso do solo, promoveram alterações na ingestão e assimilação de recursos pelas espécies, refletindo em variações do nicho trófico das mesmas. Além disso, fatores intrínsecos relacionados com as características morfológicas das espécies foram relevantes para partilha de recursos e baixa sobreposição alimentar. Ainda, as espécies exibiram distintos padrões de especialização individual de acordo com a sazonalidade. Especificamente, P. aff. gymnodontus, P. aff. paranae e Bryconamericus ikaa apresentaram maior especialização individual na estação chuvosa (verão), período de maior oportunidade ecológica. Por outro lado, P. bifasciatus exibiu maior especialização individual na estação seca (inverno), independente da presença de outro competidor. Consequentemente, o nicho isotópico das espécies foi afetado por variações sazonais, sendo mais contraído na estação seca (inverno) para P. bifasciatus e P. aff. gymnodontus. Além dos efeitos sazonais, a distribuição das espécies, bem como suas dietas e assimilações de recursos foram alteradas pelos diferentes usos do solo. Nesse aspecto, ao longo de um gradiente de redução de cobertura vegetal, o nicho isotópico de P. bifasciatus exibiu uma relação não linear, sendo mais amplo nos riachos com maior riqueza de espécies e contraído nos riachos com menor diversidade de peixes. Além de alterar a oferta e diversidade de recursos alimentares, a redução da cobertura vegetal no entorno dos riachos afetou indiretamente a interação de espécies. Destaca-se que a maior especialização individual de P. bifasciatus no período de maior escassez de recursos, juntamente com sua capacidade de ampliar seu nicho isotópico na presença de mais competidores em ambientes antropizados, pode ser a chave para compreender sua ampla distribuição e resiliência. Além dos fatores extrínsecos, verificou-se que a características morfológicas externas e internas das espécies também podem promover partição de recursos e diferentes usos do habitat. Dessa forma, espécies filogeneticamente mais próximas apresentaram tendência de divergência morfológica e trófica. Em geral, espécies com corpo mais alongado, dentes pentacuspidados e intestino mais curtos (como B. ikaa e P. aff. paranae), assimilaram predominantemente invertebrados aquáticos. Por outro lado, espécies com corpo mais alto, dentes hepatcuspidados e intestino mais longos (a exemplo P. bifasciatus e P. aff. gymnodontus) assimilaram maiores proporções de invertebrados terrestres. Apesar das consideráveis proporções de material vegetal (folhas e sementes) ingeridos pelas espécies, nenhuma delas assimilou esse recurso. As espécies aqui estudadas não apresentaram características morfológicas a nível macro e microscópico que facilite a digestão e absorção de material vegetal. Assim, a partir do robusto aporte de dados sobre a ecologia trófica das espécies aqui avaliadas, conclui-se que a coexistência de pequenos caracídeos em riachos é facilitada por divergências morfológicas, que favorecem a partilha de recursos e baixa sobreposição, juntamente com as variações sazonais na oferta de recursos. Aponta-se que os impactos antrópicos afetam a interação de espécies, o que pode promover, por consequência, efeitos negativos nas redes tróficas e funcionamento dos ecossistemas. ...
Abstract
Species coexistence is the core of Ecology, especially in Neotropical environments with a high richness of ecomorphologically similar species. The main goal of this study was to verify how species of tetra fish species - the most diverse group of the family Characidae - are distributed in subtropical streams, use food resources and coexist locally. Because they are classified as omnivorous, we sought to understand what they consume (stomach content analysis) and assimilate (stable isotopes), as ...
Species coexistence is the core of Ecology, especially in Neotropical environments with a high richness of ecomorphologically similar species. The main goal of this study was to verify how species of tetra fish species - the most diverse group of the family Characidae - are distributed in subtropical streams, use food resources and coexist locally. Because they are classified as omnivorous, we sought to understand what they consume (stomach content analysis) and assimilate (stable isotopes), as well as understanding how extrinsic (seasonality, land use) and intrinsic (external and internal morphology) factors affect their trophic niche. The field sampling campaigns were carried out using electrofishing in ten streams in the headwaters of the Lower Iguaçu and Piquiri river basins, in the western region of the State of Paraná. Six species belonging to the genera Astyanax, Bryconamericus and Psalidodon were collected, which occurred in allopathy or in co-occurrence (pairs or trio of species per stream). Primarily, Psalidodon bifasciatus, which was considered endemic to the Iguaçu River basin, had its geographic distribution expanded through morphological and molecular evidence for the Piquiri River basin. Extrinsic factors, such as seasonality and changes in land use, promoted changes in the consumption and assimilation of resources by species, reflecting variations in their trophic niche. In addition, intrinsic factors related to the morphological traits of the species were relevant for resource sharing and low food overlap. Furthermore, the species exhibited different patterns of individual specialization according to seasonality. Specifically, P. aff. gymnodontus, P. aff. paranae and Bryconamericus ikaa showed greater individual specialization in the rainy season (summer), a period of greater ecological opportunity. On the other hand, P. bifasciatus exhibited greater individual specialization in the dry season (winter), regardless of the presence of another competitor. Consequently, the isotopic niche of the species was affected by seasonal variations, being more contracted in the dry season (winter) for P. bifasciatus and P. aff. gymnodontus. In addition to seasonal effects, the distribution of species, as well as their diets and resource assimilations, have been altered by different land uses. In this respect, along a gradient of vegetation reduction, the isotopic niche of P. bifasciatus exhibited a non-linear feature, so that it was broader in streams with greater fish richness and contracted in streams with less richness. Therefore, in addition to changing the supply and diversity of food resources, the reduction of native vegetation cover around streams indirectly affects species interaction. Both the greater individual specialization in the period of greatest resource scarcity ability to expand its isotopic niche in the presence of more competitors in anthropized environments, may be the key to understanding the wide distribution and resilience of P. bifasciatus. In addition to extrinsic factors, the external and internal morphological traits of the species can also promote resources partioning and different uses of the habitat. Phylogenetically closed species tend to diverge in morphology and diet. Species with elongated body, pentacuspid teeth and a shorter intestine (such as B. ikaa and P. aff. paranae), predominantly assimilated aquatic invertebrates. In contrast, species with deeper body, hepatcuspidated teeth and longer intestine (such as P. bifasciatus and P. aff. gymnodontus) assimilated higher proportions of terrestrial invertebrates. Despite the considerable proportions of plant material (leaves and seeds) ingested by the species, none of them assimilated this resource. Descriptively, the species studied here did not present morphological traits at the macro and microscopic level that facilitate the digestion and absorption of plant material. In conclusion, from the robust supply of data on the trophic ecology of the species evaluated here, the coexistence of small characids in streams can be facilitated by morphological divergences, which favor the resource partitioning and low overlap, along with seasonal variations in resource availability. Concerning the anthropic impacts affected the interaction of species, which can consequently promote negative effects on the food-webs and the functioning of ecosystems. ...
Instituição
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal.
Coleções
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Ciências Biológicas (4087)Biologia Animal (410)
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