A luta e o lúdico : teorias ativistas sobre a legitimidade da ocupação artístico-política como tática do confronto político

Abstract

Este trabalho tem como ponto de partida a inovação da tática de ocupação artístico-política do espaço público no repertório do confronto político contemporâneo, que se dá no Brasil e particularmente em Porto Alegre a partir dos anos de 2010. Esta tática de protesto é permeada de controvérsias, encontrando críticas quanto a sua legitimidade tanto entre ativistas do campo da esquerda, quanto em abordagens científicas mais normativas. Assim, essa pesquisa se orienta pelo seguinte problema: como os ativistas constroem teorias que conferem legitimidade - eficácia e justiça - à tática de ocupação artístico-política. Destaca como objetivos específicos de sua trajetória de pesquisa, a) caracterizar os coletivos e os eventos de ocupação artístico-política por eles promovidos, com foco na cidade de Porto Alegre entre anos de 2011 e 2019; b) analisar o processo de inovação no repertório de ação coletiva, a partir da incorporação da tática de ocupação artístico-política ao repertório contemporâneo; c) mapear as críticas direcionadas às táticas lúdicas, festivas e artísticas como forma de contestação política, identificando as disputas em torno de seus significados; d) analisar qual o conteúdo – os sentidos construídos – das teorias ativistas dos organizadores de eventos artísticos-políticos que sustentam essa tática de ocupação como politicamente legítima; e) identificar as apropriações ativistas de teorias científicas que legitimam sua ação política, refletindo sobre a dupla hermenêutica nos fenômenos sociais; f) identificar se há mudanças na teoria ativista ao longo do tempo; g) elaborar uma síntese daquela teoria ativista, que aponte para os princípios mobilizados em ordem de produzir a legitimidade da tática de ocupação artístico-política. Para atingir estes objetivos, o trabalho propõe um modelo analítico das teorias ativistas a partir da articulação de especialmente duas abordagens teóricas – as teorias leigas e a sociologia da capacidade crítica. Quanto à metodologia, além da pesquisa bibliográfica, a pesquisa utiliza uma combinação de métodos, adaptando a Análise de Eventos de Protesto, tendo como fonte as páginas na rede Facebook dos coletivos que organizam os eventos, realizando pesquisa documental online e entrevistas em profundidade com organizadores dos eventos. Os dados foram capazes de mostrar, no nível da tática, um processo crescente de rotinização e modularidade da ocupação artístico-política, que se expressaram pela sua adoção por diferentes atores, com diferentes pautas e em locais diversos da cidade. Também, o trabalho argumenta que o processo de inovação tática é acompanhado da produção de uma teoria ativista, proferida pelos seus atores sobre tal ação, buscando construir sua legitimidade, especialmente quando a tática está sob crítica – o momento crítico. Esta teoria ativista está ancorada em quatro princípios de legitimidade: ludicidade comum como mobilizador político; fruição artística como disparador emotivo-reflexivo; deslocamento da política para o cotidiano e promoção de vivências transformadoras.

This work takes as its starting point the innovation of the artistic-political occupation tactic of public space within the repertoire of contemporary political confrontation, which has emerged in Brazil and particularly in Porto Alegre since the 2010s. This protest tactic is rife with controversies, facing criticisms regarding its legitimacy from both left-wing activists and more normative scientific approaches. Consequently, this research is guided by the following question: how do activists construct theories that confer legitimacy—efficacy and justice—to the artistic-political occupation tactic? The research highlights the following specific objectives: a) to characterize the collectives and the artistic-political occupation events they promote, focusing on Porto Alegre between 2011 and 2019; b) to analyze the process of innovation within the collective action repertoire, with particular attention to the incorporation of artistic-political occupation into the contemporary repertoire; c) to map the criticisms directed at playful, festive, and artistic tactics as forms of political protest, identifying the disputes surrounding their meanings; d) to analyze the content—the meanings constructed—of the activist theories developed by the organizers of artistic-political events that sustain this tactic as politically legitimate; e) to identify activist appropriations of scientific theories that legitimize their political actions, reflecting on the double hermeneutic in social phenomena; f) to identify whether changes in activist theory occur over time; g) to develop a synthesis of this activist theory that highlights the principles mobilized to produce the legitimacy of the artistic-political occupation tactic. To achieve these objectives, the work proposes an analytical model of activist theories by articulating two key theoretical approaches—lay theories and the sociology of critical capacity. Regarding methodology, in addition to bibliographic research, the study employs a combination of methods, adapting Protest Event Analysis, drawing on Facebook pages of collectives that organize the events as a source, conducting online document research, and conducting in-depth interviews with event organizers. The data were able to demonstrate, at the tactical level, a growing process of routinization and modularity in artistic-political occupations, which manifested in their adoption by different actors with diverse agendas and in various locations across the city. Moreover, the research argues that the process of tactical innovation is accompanied by the production of an activist theory, articulated by its actors regarding such actions, seeking to construct its legitimacy, especially when the tactic comes under criticism—a critical moment. This activist theory is anchored in four principles of legitimacy: common playfulness as a political mobilizer; artistic enjoyment as an emotive-reflective trigger; the displacement of politics into the everyday; and the promotion of transformative experiences.