As vozes não ouvidas em saúde bucal : estudo qualitativo com pessoas em situação de rua

Abstract

Grupos socialmente vulneráveis apresentam maior risco para o adoecimento e sofrem piores consequências dos agravos em saúde. No Brasil, estima-se que 75,9% das pessoas em situação de rua tenham cáries não tratadas e 91% tenham múltiplos episódios de dor dentária ao longo da vida. Além de existirem poucas pesquisas sobre a saúde bucal em grupos socialmente excluídos, como as pessoas em situação de rua, os mecanismos que ligam essa condição aos agravos a saúde bucal são pouco conhecidos. Objetivos: Explorar as histórias de vida de indivíduos em situação de rua, suas experiências em saúde bucal e relação com os serviços de saúde. Metodologia: Os grupos focais e as entrevistas individuais foram gravados e posteriormente transcritos, sendo analisadas por meio de análise temática segundo Teoria Fundamentada em Dados para identificar os principais temas emergentes das discussões. Resultados: Foram realizadas nove entrevistas individuais, com seis homens e três mulheres, e duas sessões com grupos focais com homens e mulheres. As principais causas para estabelecimento da condição de rua apontadas foram conflitos familiares e abuso de substâncias. Os participantes atribuem importância da saúde bucal para sua autoestima, autoconfiança e funções sociais e relacionam condições precárias de saúde bucal a dificuldades para acesso a oportunidades de trabalho. Entre as barreiras para o acesso aos serviços públicos de saúde bucal estão os processos burocráticos e pouco flexíveis que não se adaptam às especificidades dessa população, longas filas de espera para atendimento e falta de acolhimento pelos profissionais de saúde. As sugestões para ampliação no acesso aos serviços públicos de saúde bucal incluíram o aumento no número de vagas para atendimento, maior número de profissionais e de recursos físicos Conclusão: A vivência nas ruas é marcada pela violência, insegurança e falha com direitos sociais básicos, que resultam em iniquidades em saúde. Há um papel relevante da saúde bucal na autoestima e nas funções sociais dos indivíduos em situação de rua. Em contrapartida, existem barreiras importantes no acesso dessa população serviços locais de saúde bucal.

Groups exposed to social vulnerability are at greater risk of becoming ill and suffer worse consequences from health problems. In Brazil, it is estimated that 75.9% of homeless people have untreated cavities and 91% have multiple episodes of dental pain throughout their lives. Besides the lack of research on oral health in socially excluded groups, such as homeless people, the mechanisms that link this condition to oral health problems are poorly known. Objectives: To explore the life stories of homeless people, their experiences in oral health and their relationship with health services. Methods: The focus groups and individual interviews were recorded and later transcribed, and analysed using thematic analysis according to Grounded Theory to identify the main themes emerging from the discussions. Results: nine individual interviews were carried out (six men and three women), and two focus group sessions with men and women. The main causes for the establishment of homelessness were family conflicts and substance abuse. Participants attribute importance of oral health to their self-esteem, self-confidence and social functions and poor oral health conditions were related to difficulties in accessing work opportunities. The barriers to access public oral health services included bureaucratic and inflexible processes that do not adapt to the specificities of this population, long waiting lists and lack of reception by health professionals. Suggestions for expanding access to public oral health services included a greater provision of care, a greater number of professionals and physical resources. Conclusion: Living on the streets is marked by violence, insecurity and failures with basic social rights, which result in health inequities. There is a relevant role of oral health in the self-esteem and social functions of homeless individuals. On the other hand, there are important barriers to this population's access to local oral health services.