Narrativas da vigilância : incorporação do videomonitoramento urbano à produção da verdade jurídica em processos criminais

Abstract

A pesquisa investiga o papel das tecnologias de videovigilância urbana na produção da verdade jurídica em processos criminais, a partir do contexto de Porto Alegre. Desde o final dos anos 1990, tem havido um crescimento exponencial das técnicas de videomonitoramento nos espaços públicos, tanto por empresas privadas de segurança quanto nas políticas de segurança pública. Atualmente, a Secretaria de Segurança Pública da cidade tem acesso a uma extensa rede de câmeras urbanas, com previsão de expansão, cujos registros ampliam a oferta de imagens para apreciação judicial sob forma de provas em vídeo. A pesquisa visa compreender como as imagens de videovigilância são apropriadas como evidências e mobilizadas pelos agentes jurídicos na construção de narrativas processuais, observando os discursos institucionais produzidos e os critérios de valoração jurídica. Para tanto, baseia-se em um arcabouço teórico que aborda a produção da verdade na justiça criminal, relacionando-a às formas judiciárias foucaultianas e ao modelo inquisitorial brasileiro. Além disso, são consideradas as formas rituais do campo jurídico, bem como o papel das instituições de justiça na reprodução do ideário de combate ao crime. A metodologia inclui análise longitudinal dos processos, contrastando diferentes crimes e tipos de câmeras, além de entrevistas e incursões de campo para capturar as percepções dos agentes envolvidos em processos com uso de imagens de videomonitoramento como prova. O estudo busca preencher uma lacuna na interseção entre os campos de estudo da vigilância e do sistema de justiça, fornecendo informações sobre como as tecnologias de vigilância moldam e são moldadas pelas práticas judiciais, e contribuindo para o debate sobre as transformações do sistema de justiça em face das novas tecnologias de segurança urbana. Os achados de pesquisa organizam-se em torno de três dimensões centrais: primeiro, os agenciamentos das câmeras apontam para a associação entre câmeras, tipos de crimes e territórios, produzindo visualidades específicas a depender do contexto de produção da imagem. No que se refere à inclusão das imagens nos fluxos dos autos, observa-se uma prevalência de uso da imagem como prova de acusação, por limitações conferidas pelo “tempo da justiça” e pelas formas inquisitoriais de discurso. Por fim, os discursos dos agentes revelam a existência de um repertório de crenças compartilhadas sobre a tecnicidade dos artefatos, associando-os à promoção de ideais de segurança e justiça.

The research investigates the role of urban video surveillance technologies in the production of legal truth in criminal cases, from the context of Porto Alegre. Since the late 1990s, there has been an exponential growth of video surveillance techniques in public spaces, both by private security companies and in public security policies. Currently, the city's Public Security Department has access to an extensive network of urban cameras, which is set to expand, and whose recordings increase the supply of images for judicial review in the form of video evidence. The research aims to understand how video surveillance images are appropriated as evidence and mobilized by legal agents in the construction of procedural narratives, observing the institutional discourses produced and the legal valuation criteria. To this end, it is based on a theoretical framework that addresses the production of truth in criminal justice, relating it to Foucauldian judicial forms and the Brazilian inquisitorial model. In addition, the ritual forms of the legal field are considered, as well as the role of justice institutions in reproducing the ideology of fighting crime. The methodology includes a longitudinal analysis of the cases, contrasting different crimes and types of cameras, as well as interviews and field incursions to capture the perceptions of the agents involved in cases using video surveillance images as evidence. The study seeks to fill a gap in the intersection between the fields of surveillance and justice system studies, providing information on how surveillance technologies shape and are shaped by judicial practices, and contributing to the debate on the transformations of the justice system in the face of new urban security technologies. The research findings are organized around three central dimensions: firstly, the agency of the cameras points to the association between cameras, types of crime and territories, producing specific visualities depending on the context in which the image is produced. With regard to the inclusion of the images in the flow of the case file, there is a prevalence of the use of the image as evidence of accusation, due to limitations conferred by the "time of justice" and the inquisitorial forms of discourse. Finally, the agents' speeches reveal the existence of a repertoire of shared beliefs about the technicality of the artifacts, associating them with the promotion of ideals of security and justice.